Às vezes, você poderia estar numa competição e achar que aquela prova de fundo não acaba nunca. Ou, quem sabe, pensar que não teria graça nenhuma ficar esperando por outra prova que desse mais “emoção”. A competição então pode até parecer tediosa, mas provas de fundo são necessárias para definir campeões ou até mesmo “super-campeões”, mesmo que ainda não se tenha atentado para agilizar o andamento de provas de fundo durante uma competição.
Torneio e campeonato seriam a mesma coisa? Talvez aquele atleta que nada 100m nem percebesse a diferença dessa nomenclatura, se em ambos eventos sua prova estava ali listada. Mas torneio é um evento reservado para provas rápidas, de um turno apenas, típico de “jogos internos” daquela escola ou daquela empresa. Já campeonato é um evento que define o “campeão”, seja o campeão de cada prova, o campeão por equipes ou o campeão geral de toda uma temporada.
A FINA é a entidade internacional que regula as regras de natação. A partir da FINA, cada país afiliado busca se adequar à forma como as competições de natação devem ser regidas. Por exemplo, não temos provas de 1650 metros nado livre nem mesmo o 500 metros nado livre – em jardas nos EUA, essas distâncias são equivalentes ao 400 e ao 1500m Livre. Isso porque as federações filiadas à confederação brasileira devem seguir as orientações da FINA sobre o programa de provas “oficiais” que devem ser em metros com as distâncias já predefinidas.
Assim, as provas oficiais que a FINA reconhece devem integrar campeonatos, sejam provas de velocidade, sejam de fundo. Um evento ou outro pode conter apenas provas de velocidade ou somente provas de fundo, como o torneio promovido pela FAN a ser realizado no próximo mês de julho – o Torneio de Meio Fundo. Mas mesmo que um evento restrinja tais provas, para considerar uma equipe campeã de um “campeonato” praticamente todas as provas oficiais da FINA deveriam estar disponíveis para as disputas dos atletas.
Quando se fala em “campeão” se pensa logo no vencedor da prova, naquele que chegou primeiro na frente e cumpriu todas as regras. Mas um campeão dos 100m Costas seria diferente do campeão do 400m Medley? Na teoria, claro que não, a dignidade de ter cumprido às regras e vencido a prova é a mesma para um e outro, não existe medalha especial entre ambas as provas. Mas na prática, nem sempre um fundista é visto tal como um velocista. Às vezes, até mesmo a grande mídia contribui para ignorar grandes conquistas brasileiras, passando a idéia de que seria tão fácil nadar 50m quanto aquele nadador profissional ali – isso até denigre o que a natação significa para a comunidade aquática.
Não é muito difícil encontrar diversas entidades Brasil a fora promovendo competições com o escopo de “campeonato” sem mesmo uma única prova de fundo. A nível de Nordeste, competições de curta duração são nomeadas de forma equivocada, dando privilégio a provas de velocidade e a equipe vencedora sendo considerada “campeã”. Ao retirar provas de fundo de seu programa de competição, o evento não deveria ser chamado de campeonato, mas sim de “torneio”, “circuito” ou “copa”. Isso, claro, se aquela entidade de fato for comprometida com as regras da FINA.
O fato de uma prova de fundo “demorar” não significa que a competição deveria ser tediosa ou enfadonha. Acompanhar as passagens a cada 50m, as estratégias de ataque e defesa dos nadadores de ponta, a recuperação de quem segurou o ritmo até os últimos 100m e muito mais convergem para a emoção única de uma prova longa que não dura menos de 01 minuto.
A própria organização do evento pode dispor de meios que utilizem o tempo de uma prova de fundo principalmente quando há muitas séries, como: premiação de outras provas no pódio, troca de arbitragem, animação da arquibancada etc. Em alguns campeonatos com várias séries de 800 ou 1500m Livre, é possível dar largada nas séries utilizando ambas as cabeceiras da piscina e fazendo os nadadores nadarem na metade da raia à sua direita ou à sua esquerda, conforme determinação da arbitragem. Isso torna 02 séries em 01 com até 20 nadadores na piscina. Para o nadador de fundo que entra numa série composta de duas largadas (uma inversa à outra), é ele contra o tempo, uma vez que fica muito difícil controlar as passagens em relação a seus adversários (muita marola).
Em campeonatos brasileiros, os nadadores já chegam com o tempo preestabelecido anteriormente tomado pela federação de que é filiado. Esse tempo serve para seu pré-balizamento. Em provas de fundo, os 08 melhores tempos do ranking brasileiro das últimas competições oficiais do ano são classificados para a final A, enquanto os demais tempos são classificados para as finais B etc. A classificação final valendo medalha é dada pelo melhor tempo em qualquer das séries finais.
Já em olimpíadas e campeonatos mundiais, os tempos preestabelecidos que alcançaram índice são lançados num balizamento de eliminatória para as provas de 400m Medley, 800m Livre e 1500m Livre. O 400m Livre é uma das mais disputadas provas que exige além das eliminatórias, semifinal – nas outras provas de fundo, das eliminatórias os atletas são logo classificados para a final (disputa por medalha). Por isso, para um atleta chegar a ser classificado como campeão olímpico ou mundial do 400m Livre, ele teve que alcançar índice em seu país de origem, nadar uma vez as eliminatórias, a segunda vez a semifinal e a terceira vez, a final. Ou seja, foram 04 de 400m para chegar à tão sonhada medalha! Isso também se aplica a provas de 100 e 200m, mas não se compara nadar 04 de 100 com 04 de 400!
No 1500m, ufa! Pelo menos das eliminatórias já vem a classificação para a final. Daí então o atleta nadou 03 de 1500m para a tão sofredora medalha no pódio! É daí que se extraem os “super-campeões” da natação, ainda mais quando o fulano nadou pra bater recorde na última série final da prova. E para as provas de maratonas aquáticas de 10 quilômetros em campeonatos mundiais ou olimpíadas? Pelo menos esta prova só precisa nadar 01 vez com tempo preestabelecido anteriormente dentro dos 20 melhores do ranking mundial. Ufa!
Pensar que provas de fundo atrasam competição é ignorar os primórdios da natação mundial quando nem se pensava em diminuir as distância para 100 ou 50 metros – a menor prova que se tem registro dos primórdios da natação olímpica é o 200 metros livre. O primeiro medalhista olímpico da natação brasileira conquistou bronze no 1500m livre – Tetsuo Okamoto fez 18’51.3’’ nas olimpíadas de Helsinque 1952 e por poucos centésimos não foi prata olímpica, tendo sido ouros no campeonato pan-americano de Buenos Aires 1951 no 400 e também no 1500m livre. Temos também Djan Madruga sendo o primeiro brasileiro a baixar de 04 minutos no 400m Livre e ser o primeiro brasileiro recordista olímpico também no 400m, nas olimpíadas de Montreal 1976.
Pensar que provas de fundo atrasam competição é no mínimo desculpa de quem nunca tentou fazer 399 metros nadando sem parar! Imagine 400! Porém, ironias à parte, natação é um esporte que se pratica com gosto e prazer muito mais do que por interesses financeiros. E como gosto não se discute, o que atrasa competição são idéias retrógradas ou simplistas de quem ainda não percebeu o brilho de uma medalha conquistada após 399, 799 ou 1499 metros! Então, vai alongar teus braços e a coluna e vamos que vamos... nadar!
Franklin F. Rodrigues Editor, escritor e administrador do blog. Atleta amador de natação competitiva, com vasta experiência em treinamento pessoal aplicado com resultados otimizados, formação em curso de natação competitiva internacional e arbitragem oficial de natação. Como espectador, participou de um de seus maiores sonhos na natação – Jogos Olímpicos Rio 2016, e apoia as futuras gerações de nadadores do Brasil. | |
Tópicos relacionados |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário...