Uma reportagem destacou a história de Nora Ronai que havia fugido da Itália durante a 2ª Guerra Mundial para o Brasil e conheceu a natação já na categoria máster. O editor do blog – Franklin Rodrigues teve o privilégio de conhecer uma pessoa dócil e sensivelmente decidida no que faz dentro das piscinas, por ocasião do 54º Campeonato Brasileiro Máster, realizado em Campo Grande/MS, em novembro de 2014. Na época, Nora na altura de seus 90 anos havia se sagrado campeã mundial máster. Hoje, já com seus 93 anos, sua história é um exemplo de amor ao esporte e boa saúde na 3ª idade. Trechos da reportagem foram resumidamente adaptados. Vale à pena conferir:
Em mais uma manhã de muito calor no Rio de Janeiro, Nora Ronai veste seu maiô, prepara seu café e pega a bolsa para sair. Da porta de casa, ela caminha por 20 minutos em pleno sol até o Clube de Regatas Guanabara, deixa os pertences no armário e vai direto para a piscina. Ali, vai nadar seus 1.600 metros diários até sair da água revigorada. Uma rotina comum a qualquer atleta - mas bem rara quando se trata de uma pessoa de 93 anos
Nora encara a velhice como uma realidade, mas em meio a uma vida repleta de desafios, ela a leva como apenas mais um - e não como impeditivo para deixar de fazer o que gosta. Nascida judia na Itália de Mussolini, a menina foi banida da escola, virou fugitiva de guerra, viu o pai ser sequestrado pelos nazistas e viveu uma coleção de traumas, mas hoje prefere colecionar medalhas. Na piscina, ela diz que fica em paz.
“Vamos colocar isso em termos de natação. É como se na vida eu estivesse nadando, nadando, nadando, enfrentando ondas muito altas. Estou sendo acuada para cá, tendo complicações para lá. Mas quando entro na piscina, é como se eu tivesse chegado numa praia. Ensolarada, bonita”, conta em entrevista à BBC.
“Na piscina, eu estou descansando moralmente. Claro que fisicamente não, mas moralmente sim. A piscina me salva de muitas situações opressoras. Ninguém nasce com garantia de eterna felicidade, isso não existe. Então tem situações que são enlouquecedoras. Se a gente sabe nadar, é só nadar 200, 300 metros, que aí já não sente mais nada. Não fica triste, não precisa chorar. É como se tivesse lavado o cérebro por dentro”.
Filha de atletas na Itália (o pai era remador e esgrimista e a mãe jogava tênis), Nora teve contato com o esporte desde cedo. No país europeu, suas modalidades preferidas eram o esqui e a esgrima, mas quando veio para o Brasil, na juventude, passou a se dedicar aos saltos ornamentais - onde também desenvolveu a prática da natação.
Somente aos 69 anos decidiu competir em nível internacional, para buscar um novo ânimo. Hoje, exibe com orgulho as dezenas de medalhas conquistadas desde então – sete delas de ouro no Mundial de 2014, quando já comemorava seu nonagésimo aniversário. Além disso, ela sustenta seis recordes mundiais – cinco conquistados em 2014, um em 2011. E já avista novos pódios para o Mundial de 2019, na Coreia, quando estará com 95 anos.
“Comecei a competir na natação com 69 anos, mas já estava acostumada a competições porque eu fazia saltos ornamentais quando nova. Eu não fico nervosa numa competição, nunca. No último Mundial de Montreal, eu ganhei sete medalhas de ouro. As que eu tenho mais orgulho são a dos 400m medley, 200m borboleta e 100m borboleta”.
A riqueza de detalhes com que Nora conta as histórias do passado revelam sua lucidez. Fala da década de 1920, quando viveu sua infância, com a clareza de quem está descrevendo o que fez ontem. Não fosse pela aparência física que não deixa enganar, seria impossível adivinhar que já está a caminho do centenário. As histórias do nazismo e da Segunda Guerra Mundial, que forçaram sua família a emigrar para o Brasil, também são contadas com naturalidade por ela, que parece ter aprendido desde aqueles tempos a resiliência que precisaria ter para a vida.
“Prenderam meu pai, levaram para campo de concentração. Nós tivemos sorte que um dos ministros do fascismo tinha sido colega de turma do meu pai durante 8 anos no ginásio. Minha mãe foi falar com ele, levou um tempo até conseguir liberar meu pai, mas deu certo. Depois, os colegas dele no campo de concentração foram queimados na fábrica”.
A filha Laura Conai conta que ainda se impressiona com a leveza com que a mãe encara uma história tão sofrida.
“Ela tinha todos os motivos para viver se vitimizando, mas nunca fez isso. Viveu uma guerra, perdeu metade da família, perdeu tudo, mas nunca reclamou de nada. Ela parece que consegue fechar essas portas do passado e deixá-las ali. As dificuldades ficaram para trás, ela optou por seguir em frente”, disse.
Essa é uma das lições que Nora diz que o esporte lhe deu: a nunca desistir. Na infância em Fiume, na Itália (que hoje é Rijeka, na Croácia), ela passou dois anos sem poder frequentar a escola por ser judia e, ainda assim, seguiu estudando com professores particulares em casa. Quando chegou ao Brasil aos 17 anos, não conseguiu validar seu diploma do segundo grau e cursou de novo o terceiro ano do ensino médio. Foi para a Faculdade de Arquitetura e ali começou a construir uma carreira muito bem-sucedida em um período em que mulheres mal frequentavam a universidade no Brasil.
“Ela se formou, fez doutorado, fez trabalhos renomados na arquitetura, foi dar aula na universidade e, mesmo assim, não deixou de ser uma mãe presente para nós, estava sempre perto", afirma Laura.
Mesmo diante de tantas responsabilidades, Nora nunca abandonou o esporte. Cumprindo todos os papéis que lhe eram requisitados – mãe de duas meninas, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e esposa de Paulo Ronai –, a imigrante italiana abdicava do almoço para poder dar suas braçadas na piscina.
“Eu sou da época em que os homens achavam que eles tinham que ganhar o dinheiro para sustentar a família. O resto era com as mulheres. Lugar de mulher é perto de tanque, no fogão etc. Eu nunca fui disso, mas tive que ser, porque meu marido tinha sido educado para essa vida, ele não sabia cozinhar um ovo, não sabia preparar um chá”, conta.
“Eu tinha que ser dona de casa, tinha que cuidar das filhas, tinha que trabalhar, era arquiteta-chefe de uma grande construtora, era professora de universidade, enfim. Mas aí na hora do almoço, lá mesmo na UFRJ, eu corria para a escola de educação física que tinha uma piscina e, em vez de almoçar, eu nadava. Eu não almoçava para poder nadar”.
“Você não pode imaginar a vida que eu tive. Eu não almoçava para poder nadar. Eu conto isso para mostrar que se você realmente quer alguma coisa, você encontra o tempo”.
As filhas, Cora e Laura, cresceram vendo a mãe se multiplicar em mil e admitem terem tido uma ilusão da vida adulta.
“A gente via o que ela fazia e achava que toda família era assim, que toda mãe era assim. Que isso era o normal. Mas logo a gente cresceu e viu que ela não é normal. Ela é a mulher maravilha!”, diz Laura.
Nenhuma das duas seguiu o exemplo da mãe nas piscinas – ela até tentou incentivá-las nos saltos ornamentais, mas tão logo as meninas cresceram, largaram o esporte e nunca mais voltaram. No entanto, tanto Cora quanto Laura reconhecem que a rotina de Nora nas piscinas ajuda a mantê-la ativa e feliz aos 93 anos.
“Ela nunca foi aquelas velhinhas que estão sempre reclamando. Ela é muito ativa, tem uma energia que não acaba. Vive uma vida muito mais leve do que eu”, finaliza Laura.
Confira mais detalhes da reportagem especial da BBC no link do vídeo:
Fontes:
G1 e BBC
Franklin F. Rodrigues Editor, escritor e administrador do blog. Atleta amador de natação competitiva, com vasta experiência em treinamento pessoal aplicado com resultados otimizados, formação em curso de natação competitiva internacional e arbitragem oficial de natação. Como espectador, participou de um de seus maiores sonhos na natação – Jogos Olímpicos Rio 2016, e apoia as futuras gerações de nadadores do Brasil. |
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