O episódio estranho e ao mesmo tempo parecendo sem sentido ocorrido durante os Jogos Olímpicos Rio 2016 e provocado pelo nadador norte-americano Ryan Lochte poderia e deve ser visto de duas formas distintas: a síndrome e o endeusamento que a maioria dos atletas sofrem quando passeiam pelos céus da carreira esportiva. Falar de forma pejorativa sobre Ryan Lochte comprometeria um exemplo de persistência de quem às vezes não sabe lhe dar com o sucesso.
O incidente
Na manhã de 14 de Agosto de 2016, Lochte, Jimmy Feigen, Gunnar Bentz e Jack Conger alegaram que foram roubados durante os Jogos Olímpicos, depois de quatro homens supostamente abordá-los e assaltá-los nas primeiras horas da manhã. A Polícia Civil do Rio de Janeiro concluiu que os atletas não foram roubados, e sim que tinham fabricado a história.
A investigação descobriu que os nadadores pararam em um posto de gasolina do bairro, onde se envolveram num confronto com guardas de segurança por conta de vandalismo que os nadadores tinham causado num banheiro da vila olímpica em estado de embriaguez. Na mídia, o caso ficou conhecido como “Lochtegate”. Após isso, diversas empresas anunciaram o desligamento do patrocínio com o nadador americano, Ryan Lochte.
O mérito da síndrome
Desde quando foi visto em seus primeiros pódios olímpicos em 2004, Ryan Lochte chamava a atenção pela sua persistência no domínio das provas de medley e costas. Contadas as olimpíadas de Atenas 2004, Pequim 2008 e Londres 2012, somente nesta última foi que o atleta conseguiu superar o incrível Michael Phelps no 400m Medley (ocasião em que também o brasileiro Thiago Pereira conseguiu a prata olímpica). Ou seja, a pesar de Lochte colecionar diversos títulos mundiais, para quem acompanha a natação olímpica viu Michael Phelps dominar invicto por 03 olimpíadas as provas de medley.
Após a conquista de Londres 2012, o caso foi relacionado à persistência numa das provas mais exigentes da natação, em que praticamente Lochte só tinha perdido para Phelps até aquele momento. A síndrome de Ryan Lochte demonstra além da persistência, a aposta num sucesso que se concretizou como no ditado popular: “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Controvérsias
O medalhista olímpico e vencedor no esporte cometeu um erro de amador ao contar uma história completamente descabida sobre uma noitada no Rio. Pior: saiu do país e deixou seus três parceiros na mentira sofrerem o peso e a humilhação de deixarem de ser mocinhos para se tornarem bandidos. E, mesmo em seu pedido público de desculpas, Lochte continuou dizendo que foi ameaçado e chantageado, contradizendo o que as próprias imagens e seus colegas disseram.
A pergunta que fica é: Por que, Ryan Lochte? Qual o motivo que leva um grande campeão no esporte a promover uma mentira dessas e ainda, continuar a sustentar parcialmente a farsa?
Algumas atitudes dos “superatletas” advêm de uma mentalidade cultural voltada para os semideuses. Conquistar o “incrível”, romper os “limites” poderia potencializar a crença na capacidade humana de realizar sonhos, porém quando se desconecta do restante da humanidade, surgem os semideuses impondo reverência e apelação. Aliado a isso, as lentes das câmeras da mídia exageram aumentando ainda mais o foco em determinada personalidade, ora explorada pela relação com o patrocinador, ora sem aquela responsabilidade própria da comunicação jornalística.
De protagonista das conquistas americanas na natação, Ryan Lochte tornou-se vítima de uma cultura responsável por produzir semideuses, quando simples mortais passeiam pelos céus da fama e do sucesso. Andar de “nariz empinado” desprezando os amigos de origem ou o país visitante por puro preconceito é o mais forte indício de uma vítima da indústria megalomaníaca das grandes marcas esportivas. E o pior é que isso não acontece só no futebol, não é Lochte?!
O “Lochtegate” até mostra que os atletas em geral não se preparam para o sucesso adequadamente. Mais do que aprender com a derrota, o esportista precisa saber lidar com o sucesso. Perder é fácil: há sempre o dia seguinte para se levantar. Difícil é manter-se imune à aura de ídolo, quando o próprio ídolo nada mais é que uma prefiguração de um semideus predestinado à falência. Alguns se preparam, sabem entrar e sair do sucesso; outros ignoram e se dão mal.
Franklin F. Rodrigues Editor, escritor e administrador do blog. Atleta amador de natação, com vasta experiência em treinamento pessoal e resultados em competições. | |
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